segunda-feira, 19 de outubro de 2015

I rock

Não cumpri o objetivo a que me propus. Não corri 42,195 km. Não fui persistente, rigorosa e muito menos disciplinada. Findos poucos meses da meta estabelecida, simplesmente desisti. Percebi que era cedo demais. Percebi que não assumi o compromisso com seriedade. Na verdade, sempre soube que não iria cumprir. Não sou daquelas pessoas que afirma nunca desistir. Sou daquelas que muda de ideias, que teria feito de outra maneira, que larga coisas e que, simplesmente, olha para o outro lado. Não corri a maratona como apregoei. Mas levantei-me às seis da manhã. E andei pé ante pé, na casa escura. E saí pela porta, noite escura. E afastei a chuva e corri para o comboio. Carreguei um saco com bananas e barras doces e apanhei mais um transporte e mais outro. E respirei o ar abafado com todos os outros. E sentei-me no chão enquanto pés e pernas passavam por mim, todas iguais. E contei os minutos e rezei em silêncio. E pedi ajuda e escolhi o corredor certo. E enfrentei as pernas inicialmente em choque, duras. E descontraí e segui. Evitei as garrafas, as tampas, os atropelos e ansiedade de ver tantos passar por mim. Mantive-me no meu ritmo vergonhosamente lento e orgulhei-me por não o achar vergonhoso. E vi ruas e agradeci a todas as pessoas que cruzaram o olhar. Às que bateram palmas, às que gritavam ou às que em silêncio, longe, torciam por mim. E continuei a correr e soube que ia terminar. E virei caminho e alegrei-me. Mais. Bati as mãos no papel que dava uma "vida extra", engoli energia líquida e revirei os olhos com o sabor das laranjas que me estenderam. Ignorei a dor no joelho. E escolhi o modo como passei a pousar o pé, em dor. Conversei com quem partilhou comigo a estrada e ainda ri. Falei inglês, arrisquei francês e ouvi. Elevei os braços mesmo no fim e dancei. E vi a meta e corri ainda mais. Passei num sprint manhoso. E sorri. Sorri mesmo no cansaço. Sorri mesmo com as pernas destacadas do meu corpo. Sorri no caminho de volta. No metro. No outro metro. No comboio. No caminho até casa. No banho quente. Debaixo do edredon que abafou as dores. Acho que sorri a dormir. Não corri a maratona, não. Talvez nunca corra uma. Mas fiz duas meia-maratonas, em 2015. Por duas vezes, percorri com os meus pés, com as minhas pernas, com a minha cabeça e o meu coração, 21 km. 


* Obrigada, S. por me acompanhares nesta minha insistência. Por me fazeres rir e por atravessares comigo mais esta meta.


sábado, 18 de julho de 2015

Nada à volta

Seguíamos na estrada deserta rumo ao Alentejo. Íamos quase sempre de noite. O UMM não passava dos 90k/hora e o barulho do motor não nos deixava perceber a letra das músicas. Demorávamos uma eternidade, achava eu. Punha os pés onde me apetecia e conversámos para acelerar o tempo. Apesar de eu pedir, às vezes, ele desligava as luzes que nos orientavam. Sabia que eu despertava, zangava... morria de medo. Fazia na mesma e ria-se. Eu mantinha o meu semblante sério. Mantinha a zanga por mais um ou dois quilómetros. Era uma espécie de pedagogia- a meu ver. Mas, na verdade, gostava. Eram apenas uns segundos. Mas tirava-me daquele marasmo. Acordava-me. Deixava-me ver as estrelas. E, naqueles segundos, não havia estrada, sinais, carros, nem nada. Era como se estivesse tudo absolutamente calmo. Já passaram muitos anos. Quinze, vinte, não sei. Já não temos aquele carro, já não vamos para o Alentejo e ele já não apaga as luzes em estradas desertas. E eu, não sei porquê, lembrei-me hoje disto. Talvez porque me abstraí dos carros, da estrada, da minha companhia e estava ali sozinha. Só a correr. 
[talvez tenha desistido da Maratona mas não desisti de correr. obrigada pelo vosso carinho.]

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Apenas

Eu sempre soube. Nunca vou ser maratonista. Talvez um dia, num tempo longínquo, até corra uma maratona mas... nunca vou ser maratonista. Não tenho esse espírito e não vou adquirir. Não tenho força de vontade para acordar na noite escura e sozinha pisar a estrada. Não tenho vida (nem quero) para corridas diárias. Não deixo os meus filhos, o meu marido, de animo leve, nas rotinas que são de todos. Não tenho lutas interiores com tempos e metas. Simplesmente, não sou assim e não vou ser. Tracei um objetivo com um único pensamento: só não quero deixar de correr. A corrida está em mim. Já me pertence. Ajuda-me a pensar. Ajuda-me a resolver lutas interiores. A respirar quando me falta o ar. Mantém-me saudável, ágil como se eu conseguisse tudo. Sinto que me possibilita controlar este corpo que não é pequeno. Ajuda-me a sentir-me bonita. A corrida une-me. Quase uma comunhão com o meu pensamento e com a minha vontade. Une-me a amigos, aos meus próximos e ao sol que vejo desaparecer em diferentes tons. Faz me conhecer cada curva dos meus sítios, os gatos, os vizinhos, as árvores que crescem. A corrida dá-me tudo isto e eu, simplesmente, só quero correr. Continuar a correr. 
Nunca vou ser maratonista, não. Vou ser alguém que apenas corre. 


domingo, 14 de junho de 2015

Orgulho

Eu sou socióloga, não sei se já disse. Estudo ou tento estudar cenas. Recolher informação, tratar, analisar, interpretar, concluir e avaliar. Uma carga de trabalhos. Não é que não goste, porque gosto mas, a verdade é que a minha natureza exige-me algo mais do que o computador e o papel. Talvez por isso, de quando em vez, liberto-me a carregar baias, a afixar faixas, a montar uma ínfima parte da logística de eventos desportivos. Com colegas de quem gosto muito, o trabalho passa a prazer. Apesar de duro e desgastante, tem o seu quê de emocionante. Planear e programar uma iniciativa para 7000 ou 10000 pessoas é qualquer coisa de fascinante. Tenho uma profunda admiração e orgulho pelo trabalho que aquela equipa desenvolve. E isto tudo para dizer que é engraçado ter este olhar dos bastidores. Quando fiz a meia-maratona distraí-me parte do percurso a analisar. A ver como estavam assinalados os pontos quilométricos, a avaliar a qualidade dos abastecimentos, a procurar os caixotes do lixo, a verificar como eram eliminadas as tampas e as garrafas deitadas ao chão, a armazenar boas práticas para partilhar. A música, a animação, a segurança... Tudo o que normalmente ninguém repara quando se está em prova. 
Ontem, fiz a minha primeira corrida em minha casa- Oeiras. Não trabalhei e fui correr. Lá os vi, quais forminguinhas, a tratar de tudo. A assegurar que depois do tiro dado, a festa acontece. E aconteceu. A Marginal à Noite é uma prova de uma beleza sem igual. A estrada rodeada por água iluminada pela lua bastariam para que fosse um marco inigualável. Mas não é só. Não dá para explicar. É muito bonita e os meus colegas estão de parabéns. Não sei se é o meu olhar de socióloga, se a minha experiência em provas desportivas (a trabalhar e a correr), se a minha admiração e amizade por eles. Só sei que gostei muito. 


Semana #10
Número de corridas-2 (eu sei...)
Corridas acumuladas- 33
Quilómetros realizados- 18 (mas foram rápidos...)
Quilómetros acumulados- 257,5
Sentimento geral- orgulho.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

domingo, 7 de junho de 2015

Corri

Mais ou menos tudo influencia o nosso desempenho. A nossa cabeça, sem margem de dúvida. O nosso sono. O humor. Uma constipação, uma dor de dentes, o vento, o sol. Pedras a mais, piso irregular, estrada monótona, calças quentes. Basicamente, se permitirmos, tudo pode determinar se vamos cansados ou leves na velocidade. Se vamos com dor ou com prazer. Esta semana tive muitas desculpas para ficar em casa e não me atrever a mais esforços. Trabalho intenso, noites em branco- dolorosas-, compromissos imensos e uma ginástica de tempo equiparável a uma gestão de topo. Ainda assim, reuni forças. Obriguei-me a ignorar as dificuldades e fui. Essas- as dificuldades- desvaneceram-se. Perderam sentido. Matei saudades nos sonhos, iluminei-me ao vê-lo pequeno e tão grande, emocionei-me a cantar de olhos fechados, ri-me como sempre com ela, descansei pelo conforto que consegui dar. Peguei ao colo, recebi beijos, abracei e fui abraçada. Não foi uma semana espectacular. Mas foi uma semana com altos que compensaram baixos. Não corri que nem uma louca mas corri. 

Semana #9
Número de corridas-4
Corridas acumuladas- 31
Quilómetros realizados- 30
Quilómetros acumulados- 239,5
Sentimento geral- tudo bem.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Mimis...

Um blog de corrida, na verdade, tem pouca piada. Para mim, entenda-se. Partilhar ritmos, desafios, conquistas ou dificuldades é legitimo, sim, mas é só isso. É só corrida quando a corrida não é só corrida. Talvez para alguns seja. Focados, disciplinados, profissionais. Para quem, como eu, leva isto com uma dose de ousadia e muita loucura, corrida é muito mais. São as histórias à volta das pernas que se mexem. São as pessoas que mecanicamente teimam em colocar um pé à frente do outro. Quando comecei a correr (comecei por andar, claro está) fi-lo, nomeadamente, com a minha amiga Rita vulgo, a minha cara metade no feminino. A minha amiga de sempre e para sempre. Ela a falar ininterruptamente e eu a ouvir, muda. De quando em vez, dizia um "sim" ou um "não" só para que percebesse que estava viva. Saíamos na noite escura e invariavelmente corríamos junto ao mar. Terminávamos renovadas e absolutamente felizes. Guardamos para nós cenas de fazer chorar um condenado no corredor da morte. A rir também me tirou do chão na única queda que dei na vida que me valeu uma paragem de meses entediados por sessões de fisioterapia. Não há como explicar o bem que os monólogos me fizeram. Só eu sei. O bem que representou aquele dia em que terminámos com os pés quentes dentro da água gelada. Como ficará para sempre o treino  que culminou com a nossa roupa na areia e o corpo no mar negro. Ou a vez que decidimos não correr e nos agarrámos a tostas de frango. Não me lembro de um único marco desportivo partilhado. Nenhum tempo especial, nenhuma distância particular, nenhum feito digno de nota. Lembro-me das nossas coisas. Das nossas cenas. Só nossas. Isto para mim é corrida.

[e que bem soube]


segunda-feira, 1 de junho de 2015

quarta-feira, 27 de maio de 2015

[para mim]

... a grande sabedoria da vida é conseguirmos identificar aquilo que nos faz felizes, mesmo que seja por segundos, num dia de 24 horas. Hoje identifico um momento: depois do treino, o impulso que me fez sentar no chão e alongar de forma manhosa. Deixei-me ali estar. Não sei quantos minutos foram, não contei. 5, 10, não faço ideia. Mas estiquei as pernas quentes, senti o alcatrão morno debaixo das palmas das minhas mãos e apreciei o vento debaixo da luz do candeeiro do estacionamento vazio. Não senti medo, não tive pressa, nem vergonha. Fiquei ali e por momentos, escassos instantes, foi como se tivesse deitada na relva de um aldeamento no Algarve, com os meus 15 anos e aquela sensação de que me espera tudo. E espera.


domingo, 24 de maio de 2015

Report

A ideia de escrever aqui o relato deste desafio não tem grande segredo. Não serve de auto-elogio ou para receber a atenção alheia. Na verdade nada ou quase nada divulgo este espaço porque a partilha tem como único objetivo elevar o meu nível de comprometimento. Escrever aqui o que faço ou o que sinto enquanto corro ajuda-me a disciplinar-me. Vejo os números a crescer, registo a minha evolução e obrigo-me a não esquecer a compensação que o esforço acarreta. Tenho tanta certeza disto que escrevo... Que esta semana amaldiçoei esta minha decisão. Porque contei eu a este pequeno mundo que me lê, que me meti nesta aventura irreal de correr 42k? Porque é que me pus a partilhar quilómetros e treinos? E quando falho? Não dá para enfiar a cabeça na areia ou por o lixo por baixo do tapete... Esta semana pensei que tinha mesmo escolhido a estrada mais difícil. É um bocadinho como quando fazemos dieta, anunciamos ao mundo e depois apetece-nos um chocolate. A inquisição das calorias insurge-se contra nós e sentimo-nos como assassinos de focas bebés sempre que nos aproximamos de um quadrado de açúcar. 
Continuando, esta semana falhei um treino. Sim, foi um só treino dirão vocês. Mas não foi só UM treino. Nos restantes corri menos do que o previsto e estive mesmo prestes a falhar um outro. Às tantas achei que devia fazer um reset, descansar uns dias e começar tudo do zero. Assobiar para o lado. Não o fiz. Escolhi treinar. Depois de um dia digno de um filme, de uma condição física diminuída e vontade abaixo de zero, fui. Fiz o paredão da praia, cruzei-me com gente a cheirar a creme solar e caracóis, olhei o mar e conversei. Corri 11k dos 14k que estavam planeados. Mas corri. Acho que isto não é falhar. É continuar a tentar. 

Semana #7
Número de corridas-3
Corridas acumuladas- 27
Quilómetros realizados- 23
Quilómetros acumulados- 209,5
Sentimento geral- todos os planos têm desvios...

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Em casa

Não costumo correr no sítio exato onde moro. Existem subidas em todas as direções e os percursos disponíveis são os mesmos dos veículos cujas rodas ridicularizam as minhas fracas pernas. Hoje, contudo, arrisquei-me. Queria tratar com rapidez deste aviso que o meu plano de treinos teima em alertar-me de forma sonora. Comecei por uma subida íngreme que, combinada com o vento, me tirou o ar. Recuperei com uma linha recta com vista para a montanha e distraí-me com a paisagem e os cheiros a que não estou habituada. Voltei pelo mesmo caminho e passei pela minha antiga casa. Pela minha primeira casa. Não parei. Já estava em descida acelerada e apenas fixei o olhar por segundos. Tive um flash daqueles que os filmes utilizam para retratar uma morte em progresso. Vi-me lá sentada no chão da sala vazia com a primeira pizza que encomendámos. Lembrei-me dos azulejos laranja da cozinha que depressa substituímos. Quando disse-lhe que estava grávida. Lembrei-me da varanda forrada a madeira e do estendal enorme que conquistou a minha versão Isaura. A Inês quando chegou a casa. Quando começou a andar agarrada ao sofá azul. A minha bichinha no colo dela- sem a magoar. O Gonçalo de fralda por todo o lado. A cadeira de bebé com nuvens azuis. A empregada que me mudou toda a decoração da cozinha. Corria e lembrava-me. Corria e pensava como as coisas que são coisas não deviam ter importância. São matéria. Não têm vida. Mas têm. Fazem parte de nós que lhes damos sentido. 
Hoje corri perto da minha casa. Da minha história. 

[este relato poderia ser bonito e poético se não tivesse corrido demasiado rápido na última descida. A pensar em bebés, em momentos e coisinhas fofinhas, depositei muita força numa passada e a guinada no dedo mindinho teve repercussões imediatas no extremo oposto das costas. Fiz os três últimos quilómetros como quem apanha azeitonas- agarrada às costas- e não estou certa de voltar a ter uma postura humana. E assim se assassina uma bonita história.]

domingo, 17 de maio de 2015

Contornar as pedras, os buracos e seguir

Ontem assisti a uma daquelas entrevistas televisivas que põem a chorar um pára-quedista de dois metros. Carlão {Pacman} falava sobre aquela ilusão recorrente que temos e que tem a ver com a relação entre idade e maturidade. Chegamos aos 30/40 anos e de repente somos adultos, só porque sim. Atingimos aqueles números e obrigamo-nos a sentir e a agir como gente grande. E quando chegamos lá percebemos que é mesmo só teatro, do mau. 
Isto tudo para dizer que somos todos muito parecidos. Algumas inseguranças, alguns medos e muitos momentos de "criança assustada". Mas depois olhamos em volta, focamo-nos no que vale a pena e avançamos. Como na corrida. 
Esta foi uma semana "assim-assim" mas, continuei em frente. 


Semana #6
Número de corridas-4
Corridas acumuladas- 24
Quilómetros realizados- 31
Quilómetros acumulados- 186,5
Sentimento geral- a ignorar a dor persistente no joelho direito.



Dos esforços relativos

Estive mais de três segundos sintonizada num canal desportivo. Na verdade, assisti a toda a transmissão da Meia-maratona do Douro. Isto seria impensável há pouco tempo atrás mas hoje... diria que o faço com absoluto prazer. Vejo tudo. O trajeto, as passadas, a tshirts técnicas, as medalhas, os pontos quilométricos... tudo. Imaginei o calor que sentiriam às 12h30 de um dia como hoje e lembrei-me do meu treino de ontem, agendado para as 8h20 da manhã. Não adivinhava que já estivesse tão quente e salvou-me a água que fui despejando por todo o meu corpo. Ora bebia, ora arrefecia a cabeça, o pescoço, as costas. Hoje esperam-me 11 quilómetros. Agendo-os para o final do dia na esperança do vento fresco me ajudar. Ainda assim receio os efeitos de um sábado preenchido (com treino incluído), de uma noite com sono intermitente e de um domingo que se iniciou demasiado cedo e que incluiu, como se quer, sol e mar. 
Saio agora a pensar na corrida que assisti de manhã. E se me faltarem as pernas, o ar ou as forças... não ousarei queixar-me.



quarta-feira, 13 de maio de 2015

[Parenteses]

Mensagem ao senhor que, a subir as escadas do hotel à beira-rio, nos acenou com a chave do seu quarto para um momento de louco prazer: 

Éramos meninas para aceder ao convite, engolir um risotto de camarão e investirmos em toda uma cena de alongamentos sensuais, nos lençóis imaculadamente esticados. O sr. até poderia assistir, numa poltrona de canto, ao bonito espectáculo que iria durar 2 minutos. Os restantes seriam reservados para duas moças transpiradas, num vestuário que se assemelha a um fato de bodyboard dos anos 90, prosseguirem num sono que poderia incluir alguma bába e, quiçá, alguns balbúcios do nosso lema "muitá boas"! 
Acene a outras, por favor. 

terça-feira, 12 de maio de 2015

Vitórias (inhas)

"É o sabor da vitória que nos agarra, nos prende e que, como uma droga, nos obriga a querer voltar a sentir o mesmo, nos obriga a voltar a começar o processo para, ao fim de alguns meses, ou talvez anos, podermos repetir estes segundos de força descomunal e fraqueza emocional, estes segundos de felicidade descontrolada."
"Correr ou morrer", Kilian Jornet 

Estes segundos de felicidade descontrolada... a corrida tem trazido muitos benefícios à minha vida. A sério que sim. Já mencionei a força que me deu e que me dá, a segurança que consigo transportar para outras áreas porque simplesmente sei que consigo. Tudo ou quase tudo nos exige trabalho, dedicação, empenho, disciplina, amor. E esta é a principal lição. A felicidade advém disto mesmo. Das grandes vitórias mas também das pequenas. Aquelas que somadas significam muito mais do que todas as outras. Chegar ao Cais do Sodré, aguentar duas horas a correr, rir e rir e rir e continuar, beber água nos bebedouros que sei de cor, gritar "muitá boas", cumprimentar outros tantos, rir e rir e rir, deitar na relva, apreciar a luz da hora azul, tirar fotos parvas, sentir as pernas a seguir sozinhas, não perder o fôlego, simplesmente continuar. Porque sim. Porque consigo. Estas são as minhas pequenas vitórias. As felicidades controladas porque sei como as alcançar. Basta ir. 



domingo, 10 de maio de 2015

On fire!

Esta semana ficou marcada pelo calor. Para a maioria dos corredores este talvez não seja um problema mas, para mim, é. Desde que me iniciei na corrida que fujo do sol. Opto pelas horas nocturnas e pelo vento fresco. Na verdade, nem sequer é uma coisa só da corrida. Quando se inicia o verão normalmente fico doente. O meu corpo não aprecia a mudança de temperatura, fico mal disposta, sem forças e lá me ataca uma qualquer enfermidade. Depois o hábito educa a minha existência e tudo corre bem. Menos na corrida. Passadas rápidas ao sol são sinónimo de arrepios descontextualizados, quebras de tensão, sensação de sufoco ou mesmo desmaio. Faço um esforço sobre-humano, consciente de que as provas são durante o dia e não me posso dar ao luxo de escolher a brisa, a temperatura, a vista e o solo. Assim, esta semana iniciei toda uma adaptação. Comprei calções [e saí de casa!], carreguei uma garrafa de água e dirigi-me a todos os bebedouros para, sem a mínima graciosidade, baixar a temperatura de um cérebro quase em explosão. 
Foi uma boa semana!

Semana #5
Número de corridas-4 
Corridas acumuladas- 20
Quilómetros realizados- 39.5
Quilómetros acumulados- 155.5
Sentimento geral- on fire!





[arrefecimento prévio para os 14k de hoje...]

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Não espero compreensão

Não sei bem como explicar isto sem ser mal interpretada. O que quero dizer é que a corrida talvez seja uma atividade solitária. Ou para mim, às vezes é. No meio de uma multidão, ao lado de alguém... É o momento em que me sinto mais só. Não há como explicar. Talvez esteja associado ao esforço, a algum sofrimento físico. A dado momento toca com outras feridas, outras dores. Mas não num mau sentido. Não se trata de uma fustigação. É quase um curar de feridas. Uma comunhão. Às vezes, quando me está a custar muito, muito, os meus olhos enchem-se de lágrimas. Não são as dores nas pernas, nem o cansaço. Mas naquele momento, a vulnerabilidade abre uma brecha. E... fazemos uma catarse, permitimo-nos a sentir. Não sei explicar. Quando me sinto cansada, às vezes choro a correr. E quando chego ao fim do objetivo sinto-me feliz. Não sei se porque simplesmente passei a meta ou se porque me renovei. Não sei. 

[Hoje foi de Oeiras a Algés. Tive vontade de parar, de vomitar e de chorar.]




terça-feira, 5 de maio de 2015

Vejo com os olhos fechados

"Como os atacadores que juntavam os dois lados dos meus ténis, a corrida estava a enredar-me, cada vez mais, com a minha cidade."

Correr não é para meninas, Alexandra Heminsley


A estrada férrea soma cerca de três quilómetros. Com o início na Cruz Quebrada, atinge o seu fim no princípio de Caxias. Os comboios passam em grande  ritmo e, ainda assim, se olhar no tempo certo vejo o seu início. Quando termina o gradeamento, do lado direito, vejo pedras pintadas. Rosa, vermelho, azul... Do outro lado, um espantalho improvisado. Uma árvore despida. Uns dizeres no chão. Na encosta camuflada pelo comboio estão alguns reentrâncias habitadas. Descobri as escadas até lá, do lado da estrada. O farol é lindo de tão próximo. Lá ao fundo, a água está mais próxima e dou a volta. Findo o caminho inverso, vejo agora a ponte ao fundo. Termina o cimento tosco e passa-se a estação- graffitada mas bonita. O abandono grita por ali. Segue-se um corredor de um empedrado irregular. Um montão de gatos anuncia-se pelas tigelas empilhadas no jardim esquecido. A ponte é de ferro e deixa-nos ver o rio por debaixo- ora discreto, vivo. Quando corremos ao lado do comboio em movimento, a sensação é... não sei. Quase como se fossemos forças combinadas. O meu filho tem medo e corre mais devagar. Dou-lhe a mão que aceita. Desço agora numa grande curva. O chão é liso e vermelho. Por esta altura é ladeado por papoilas e malmequeres. Às vezes tem pedras para nos lembrar do poder das marés. Nesses dias, olha-se para o chão, com cuidado. Conta-se um quilómetro e meio. Passo por barcos e cabanas de pescadores. Vejo a praia e cheiro. O caminho é lindo e espanto-me sempre por estar ali, para mim. A ponte está mais próxima e agora percorro mais um pedaço de cimento. Dunas mais altas impedem-me de ver o rio. Ainda assim, do outro lado da estrada, as luzes enchem as casas. As bonitas não têm cortinados. Vê-se uma casa de madeira, numa árvore. Tem uma escada de caracol e um pequeno varandim. Observo pequenos palacetes e vestígios de habitações de outros tempos. Os apartamentos de hoje mostram tectos altos e decoração a rigor. Corro a imaginar as gentes. Chego a uma decisão. Vou em frente pelo recanto obscuro ou faço mais quinhentos metros pelo restaurante com cheiro a abacate e lima. Das duas formas quero chegar àquele passeio. Por detrás (mais ao lado) do edifício moderno está a outrora doca. O silêncio e a luz... É como se só eu conhecesse o sítio por detrás da bela cascata. Volto para trás contornando o mini farol de riscas verdes e brancas. Os pássaros pequenos e gordos sobem e descem a rampa que ladeia o rio. Só os vejo ali. A esplanada está muda, os candeeiros apagados e o caminho continua. Mais perto da ponte, segue-se o passeio das pedras grandes e gastas. Passo por turistas que registam o lusco fusco por detrás do monumento em forma de torre. Inicia-se o alcatrão pintado. Frases e símbolos a amarelo ilustram a passada. Vejo agora espaços verdes a contrastar com o rio já prateado. Sigo o traçado e sei os quilómetros de cor. Mais sete até ao próximo marco. Volto a passar em chão com história, pisando agora azulejos pintados. Os descobrimentos são ladeados pelos nossos passos de hoje. Contorno a estação com marcas de gasolina e vejo atracado o barco conhecido. Volto a virar e vejo as pessoas sentadas. Ouço gargalhadas, sinto os copos e imagino o sabor dos caracóis. Volta o chão empedrado. Sigo pelas pedras lisas que demarcam a separação. Muito perto do rio, vou concentrada. Seguimos todos por ali. Cruzamo-nos e damos passagem. Às vezes sorrimos, às vezes movimentamos levemente a cabeça. Agradecemos. Por detrás do museu há uma luz avariada. Ora acende, ora apaga. Pouco depois, volta o piso que agrada. Um glutão amarelo no chão, faz-me sempre sorrir. Chego à ponte. Já está iluminada. Por debaixo, ouço os seus sons. Metálicos, rápidos. Às vezes continuo. Outras fico por ali. Sei os quilómetros de cor. Escolho o que fazer. Posso passar pelos bares e restaurantes, atravessar a estrada e seguir em direção à outra ponta. Chegada ao Cais do Sodré, sei que consigo o que quiser. Ou posso voltar para trás ali mesmo, por debaixo da ponte. A recta é boa e direita. Dá para correr com os olhos fechados e com os braços para baixo. Abrir as mãos e sentir o sangue a chegar a sítios já adormecidos. Quinhentos metros de liberdade. O vento normalmente corre agora contra dando a energia necessária para o regresso. Tudo parece mais fácil. Vê-se os Descobrimentos e a Torre iluminada. Cheira a bifes. Cheiro que dói. Corre-se mais rápido. A estação de Algés é sempre feia e suja mas é casa. Volta-se ao início. Fiz 7, 10 ou 15k. Fiz o que quis porque consigo tudo. 






segunda-feira, 4 de maio de 2015

Os malucos reconhecem-se :)

Não conheço bem o Mário. Não conheço quase nada, aliás. Trabalhamos no mesmo local, sei que tem uma mulher linda, um filho maravilhoso e que corre. Passámos um pelo outro na Meia Maratona e isso bastou-me! O Mário criou um site que, relativamente a esta minha página, tem apenas uma pequenina diferença: está bem feito. Tem uma imagem espectacular, uma organização ainda melhor e um mundo de possibilidades no que respeita a conteúdos. O Mário é informático e eu socióloga. Preciso de dizer mais alguma coisa?
Visitem, porque vale a pena! Aqui.

domingo, 3 de maio de 2015

Ligações e aprendizagens

Hoje corri com eles. Estiveram ao meu lado (às vezes, à frente...), durante 9 k. Durante um momento começámos a rir. Os quatro. Nesse momento, a minha filha fechou os olhos e manteve-se assim, sem parar. Perguntei-lhe se estava bem. Disse-me: sabes, mãe, eles fizeram-me rir e eu tive de me ligar a mim. Sabes? Para voltar a respirar. 
Foi o melhor do meu dia. 





"Reparámos que está a correr mais rápido do que o esperado. Vamos fazer alguns ajustes."

Eu sou o que se pode chamar de control freak. Não começo a correr enquanto a app da ASICS não arrancar e, por via das dúvidas, ligo também a da Nike. A cada quilómetro ergo o braço até o ouvido para ouvir o ritmo médio e quase que me emociono com os incentivos da voz mecânica: Good run!See you tomorrow! Obsessões à parte, acho mesmo que é um bom auxiliar para quem quer atingir um objetivo. Com base nas caraterísticas que indicamos, define o número de corridas que temos de fazer, em que tempos e quais os dias em que devemos colocar o corpo a descansar. Faz análises comparativas dos nossos desempenhos e até nos tira fotografias para exercitarmos a nobre arte do auto-elogio. Isto tudo para dizer que fiquei muito feliz quando, hoje, após os 11k programados, recebi o email com a indicação acima. Estou a melhorar e é só isso que me interessa. 

"Estava a usar a corrida com fonte de entendimento e concentração, para me lembrar do que eu era capaz e para me estimular em todas as áreas da minha vida. Sentia-me imparável."

Correr não é para meninas, Alexandra Heminsley


Semana #4
Número de corridas-4 
Corridas acumuladas- 16
Quilómetros realizados- 32
Quilómetros acumulados- 116
Sentimento geral- a rolar :)

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Falando do coração

Eu sou daquelas pessoas cuja fisionomia não engana ninguém. Se o meu coração entra em modo acelerado, toda a gente repara. Fico com ar de coelho assustado e coro. Sim, fico vermelha como um benfiquista em dia de jogo. Com cara de boneco de cera! E quanto mais quente me sinto, mais a máquina bate. Ainda assim, sou completamente leiga no que respeita ao controlo da frequência cardíaca. Sei, no entanto, que esta análise é importante para a segurança dos meus treinos e para a avaliação da minha condição física. Por isso, e só por isso, ando para aqui a tentar perceber esta coisa das batidas vitais.
Assim, diz a literatura que, em adultos, a pulsação normal (em repouso) situa-se entre 60 a 100 batimentos, por minuto. Já em esforço, devemos considerar a seguinte fórmula: 220-idade= pulsação máxima. Considerando, então os meus 37 anos, sei agora que o meu limite são das 183 pulsações, sendo que acabei de contar 68 batimentos, sentadinha no sofá.
Atendendo, agora, ao meu ritmo ideal, que é como quem diz "zona-alvo", deverei considerar entre os 75% e os 85% do ritmo cardíaco máximo. Diz, então, a minha calculadora que isto corresponde a 138 e 156 pulsações por minuto, respetivamente. 
Ultimamente tenho tido a preocupação de treinar com um cardiofrequencímetro mas, na verdade, só hoje percebi exatamente o que deverei controlar. A última vez que olhei para o relógio, marcava 155 pelo que, entendo que estava no "sítio certo". Ainda assim, e considerando que fiz um treino "confortável", questiono-me se este valor não será elevado para um esforço diminuto.
Parece-me que terei de ler mais umas coisas... Ou correr ainda mais...

quarta-feira, 29 de abril de 2015

O sorriso dele foi o meu sorriso

Não sei que idade tinha mas nunca mais me esqueci. Foi na escola preparatória de Miraflores. Pela proximidade com o bairro da Pedreira dos Húngaros, convivia com diferentes estratos sociais. Objetivamente, a presença de crianças "pobres" era notada. Sei exatamente quando reparei nele. Tinha vestida uma camisola mas o notável era que uma das mangas estava levantada até ao cotovelo. Ele olhava para o seu pulso e sorria sozinho para um relógio novo. Cor luminosa que contrastava com o castanho da sua pele. Foi um dos melhores sorrisos que vi na vida. Pura felicidade. Um miúdo. Senti-me tão bem por ele que parece que ainda o consigo ver à minha frente. Talvez por me lembrar deste miúdo e do que despertou em mim, não consiga perceber como a felicidade de alguém não gera o mesmo sentimento nos outros. Amigos, conhecidos e afins tantas vezes não conseguem "sair de si" e partilhar a alegria de quem lhes é próximo. 
Decidi correr a maratona, não ganhei o EuroMilhões. Talvez torça o pé, entretanto. Posso lesionar o joelho. Quem sabe, farto-me deste esforço que é o plano de treinos e desisto na calada. Não sei o que vai acontecer. Posso chegar à linha de partida e apenas conseguir correr 2km. Não sei se vou ser bem sucedida. E mesmo que o seja, não vou ficar mais rica, loira, alta e boazona. Serei eu à mesma, com um pedaço de metal ao pescoço. Terei, eventualmente, uma sensação temporária de alegria e mais uma história para contar. Uma espécie de relógio luminoso no pulso. Só. Não percebo. Tenho pena, até. A incapacidade de empatizar com o outro, de partilhar alegrias, só nos amarga a vida. Só nos isola e condiciona a visão. 
Pobre, verdadeiramente pobre, não é só quem não tem dinheiro para tudo o que precisa e deseja. Pobre é, acima de tudo, quem não consegue sentir-se feliz com o que tem.
Hoje, começa a segunda fase do meu plano de treinos. São 186 k de exercício que combinam resistência e velocidade. As distâncias vão começar a aumentar e a passada deixará de ser confortável. A respiração e o coração serão o meu principal desafio. Sei que me custará muito. Mas vou continuar a tentar. É demasiado fácil, não o fazer. Ir pelo cinzento. 



segunda-feira, 27 de abril de 2015

Para além de tudo, eles correm

Às tantas a Marta escreve que há pessoas que enunciam o seu estado de encantamento recente como fundamento para o seu modo de estar na vida. Como se os seus sorrisos cúmplices tivessem uma data de validade. Como se a sua felicidade expirasse ao fim de x tempo de convívio. Eu sou uma das tais que finge enojar-se com tal amor constante mas também sou uma das tais que reconhece a legitimidade desse sentimento. |Como se alguém tivesse de o legitimar!| Reconheço o companheirismo que os carateriza e, por isso, vejo com naturalidade os percursos que trilham juntos. A corrida é apenas mais um. Lia um livro que "dizia" qualquer coisa como "Há algo de especial e quase inexplicável em correr pelos outros. (...) Só sei que é poderoso, e que funciona tanto para quem recebe como para quem dá." Porque está num nível diferente, sei que o Rui, neste momento, corre pela Marta. Não tenho dúvidas de que a Marta também corre pelo Rui e quem sabe, um dia, correrá ao seu lado. Ou à frente...
Sigam aqui a sua história, agora também nas aventuras da corrida. 

domingo, 26 de abril de 2015

Conciliação

"O segredo que todos os corredores guardam é que correm não pelo corpo, mas pela mente."
Correr não é para meninas, Alexandra Heminsley

Confesso que ontem o treino deixou-me apreensiva. A dificuldade vai crescendo e na mesma proporção a sensação de prazer que habitualmente sinto a correr vai diminuindo. Quanto maior o esforço, maior a minha necessidade de silêncio, de concentração, de olhos postos no chão. Pensava, com receio, na sensação que tenho sentido de puro sacrifício. Da ausência de equilíbrio. Temia as consequências...
Hoje, corri sem pensar em tempos, em cadências ou pulsações. Olhei em volta, respirei o ar e não dei pelo tempo passar. Corri com prazer e senti-me, aliviada. 
Há dias em que devemos correr devagar, olhar para a paisagem e gozar verdadeiramente a corrida. Para que não nos esqueçamos do verdadeiro sentido que nos move. Ou pelo menos, me move.

Semana #3
Número de corridas- 4
Corridas acumuladas- 12
Quilómetros realizados- 27
Quilómetros acumulados- 84
Sentimento geral- no caminho certo


sábado, 25 de abril de 2015

Vaidade zero

"-Não desistas, Sarah! Tu consegues!- gritámos.
Funcionou. Continuou a correr. Porém, cinco quilómetros depois, o sofrimento de Sarah atingia novas profundezas. O esforço estava a ser tão intenso que lhe começaram a correr lágrimas pela cara. A natureza dos nossos incentivos verbais, passaram do encorajamento para a súplica. 
-Não desistas, Sarah!- disse um atleta.- Estás quase lá. 
Adoro interagir com as pessoas quando elas estão no estado mais exposto- quando todas as camadas de pretensão e vaidade foram despidas e deixadas algures para o caminho. A maratona arranca sem piedade as camadas externas das nossas defesas e deixa o humano cru, vulnerável e nu. É aqui que se consegue entrever honestamente a alma de alguém. Todas as inseguranças e defeitos estão à mostra, à vista de todos. Não há comunicação mais real, nem expressão mais honesta. Não nos podemos esconder atrás de nada. A maratona é o grande equalizador."
Dean Karnazes, Quem Corre por Gosto

Não sei se é exatamente assim. Não sei se permite tamanha transparência. Muito embora me pareça demasiado literário, demasiado poético, a verdade é que não preciso de percorrer 42k para reconhecer que tem um fundo de verdade. Às vezes nem preciso de chegar aos 10k para sentir essa humildade. Perante o esforço cai-me pelos pés a capa do orgulho que fui ganhando com as conquistas adquiridas. Que interessa já ter percorrido 21k quando me custam agora estes 5k?
Há dias em que custa demasiado correr. Hoje foi assim. Demasiada chuva, vento ininterrupto, pernas em movimento que não me tiravam do lugar. Há dias assim. Em que ficamos na dúvida.




quinta-feira, 23 de abril de 2015

Once in a lifetime

"Só quem ousa ir demasiado longe descobre até onde pode ir..."
T. S. Eliot 

Não percebo nada de signos nem sei que animal encabeça o ano chinês de 1977. Sou pouco dada a traços psicológicos por atacado e não consigo adivinhar factos nem tendências futuras. Sei, porque depende de mim, aquilo que 2015 me reserva. Sei, porque objetivamente decidi. Sei porque me lancei naqueles que talvez se definirão como os desafios de uma vida. Da minha vida. Um corresponde a uma vontade e resultou de mim. Vou tentar correr uma maratona e testar os meus limites físicos e mentais. O outro resulta de uma oportunidade. Once in a lifetime. Serão meses de investimento, meses em que estarei "fora de pé" a dar tudo por tudo, a dar o meu melhor. 
Sinto-me... feliz por estes objetivos. Feliz porque representam a minha força e determinação e, por outro, são um sinal de quem alguém "viu-me" sem me conhecer. 
Vou por um pé em frente ao outro até ao limite das minhas forças, até onde é suposto ir. Literal e metaforicamente. 
2015 talvez seja o meu ano. 

sábado, 18 de abril de 2015

Semana #2 ou a diferença entre a corrida masculina e a corrida feminina

Quando um homem decide ir correr, atravessa basicamente duas fases: a primeira é a decisão, a segunda é a própria da corrida. Veste-se a rigor, aperta os atacadores, liga o relógio e avança. Enquanto corre pensa em tempos, treinos futuros e no desafio do momento. Ponto!
Quando uma mulher decide ir correr... A mulher não decide ir correr logo assim! Primeiro pensa em ir correr. Traça cenários relativos às suas possibilidades. Tenta recordar-se se colocou um frango a descongelar e equaciona formas de confecção que não ultrapassem 10 minutos. Telefona a um mínimo de três pessoas para combinar quem vai buscar quem à escola e atividades. Conta os minutos associados à tarefa de ir a casa vestir-se, colocar a fazer uma máquina de roupa e chegar ao ponto de partida. E... Pensa outra vez. E... Então, decide ir correr. Veste-se igualmente a rigor, desloca-se ao local, que tem de ser iluminado, agradável e seguro e, então, inicia a sua corrida. Lembra-se que tem de comprar uma tshirt para o espectáculo da miúda, questiona-se se tem limão para o frango à fricassé, olha à sua volta, imagina cenários de modelos para vestir no dia seguinte, alarma-se com o trabalho de grupo pois desta vez calha lá em casa, pensa fazer uns biscoitos para os lanches dos miúdos. Olha para o relógio e ainda só passaram uns quatro ou cinco quilómetros. Fustiga-se pelo croissant com chocolate na D. Lurdes. E falta papel higiênico e sumos para os lanches e também é altura de substituir as garrafas de água. Acelera a passada não por causa dos tempos mas pelo jantar que se atrasará. Desleixa-se nos alongamentos e vai ainda mais rápido rumo ao lar. 
A diferença entre a corrida masculina e a corrida feminina? A primeira é só corrida. A segunda? É uma maratona, um parto, um almoço de Natal e um armário cheio de roupa passada. Mas também é corrida. A diferença é que até chegar lá a mulher já vai cansada! Mais vai... 

Semana #2
Número de corridas- 4
Corridas acumuladas- 8
Quilómetros realizados- 30
Quilómetros acumulados- 57
Sentimento geral- dever cumprido!

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Uma resposta que nunca dei

Há uns tempos no meu blog [Pedagogia do Terror] escrevi um texto sobre o início da época balnear. Falava daquela primeira ida à praia quando me falta a coragem para tirar a roupa e atravessar o extenso areal até chegar à água. Escrevi em tom de brincadeira mas dizia a verdade. Quem não se encaixa no perfil que a sociedade impõe, pode sentir-se assim, desadequada, com vergonha, como se tivesse feito algo de terrivelmente mau. Quando li um comentário anónimo fiquei ainda com uma sensação pior: se não me sentia mal, devia sentir. Afinal, era gorda e ainda brincava com o assunto. Desleixada, chegou a escrever. Não publiquei esse comentário. Nem me passou pela cabeça responder. Nunca iria perceber... Já passou algum tempo e de vez enquando ainda me recordo daquela chapada que levei. Das chapadas que ainda vou levando. Lembrei-me disto hoje enquanto corria. Pensei o que acharia aquele anónimo se me visse ali. Se soubesse que há quatro anos me arrasto pela estrada fora. Se me visse atravessar a meta dos 21k. Se soubesse deste meu esforço para me tornar uma maratonista. Continuo a ser gorda, continuo a ter vergonha de atravessar o areal nos primeiros dias de praia mas não sou o retrato que me pintou. E se fosse? Merecia eu um buraco? Hoje pensei que devia ter respondido a este anónimo. Foram segundos. Não vale a pena. 
Eu sei quem sou, o que faço e o que mereço. Independentemente do retrato.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Inspirações

"... eu encorajo qualquer um a correr pelo menos uma maratona, devido ao seu forte impacto na mente e no espírito. No fim de contas, não passamos todos uma parte significativa das nossas vidas a duvidar de nós mesmos, pensando que não somos suficientemente bons, ou fortes, ou rijos? A maratona dá-nos a oportunidade de confrontarmos este tipo de hesitações. É o caminho para desconstruir a nossa própria essência, despir todas as nossas barreiras protetoras e expor a nossa alma íntima. A maratona diz-nos que vai doer, que nos irá deixar sem ânimo e derrotados como uma pilha sem vida na beira da estrada. (...) Então treinamos à séria. Dedicamo-nos de corpo e alma, sacrificamo-nos, ultrapassando incontáveis pequenos obstáculos pelo caminho. Damos tudo por tudo. No entanto sabemos que a maratona nos irá exigir ainda mais. Nos cantos mais recôndidos da alma uma voz pessimista diz, Não vais conseguir. Damos o nosso melhor para ignorar esta descrença em nós, mas a voz não se vai embora.
Na manhã da primeira maratona, a voz de dúvida multiplica-se, torna-se num inteiro coro. Pelo trigésimo quilómetro este coro está a gritar tão alto, que é tudo o que conseguimos ouvir. Os músculos doridos e fatigados imploram por uma paragem. Mas não paramos. Desta vez, ignoramos a voz da descrença, silenciamos os apelos derrotistas que nos dizem não sermos bons o suficiente, e damos apenas ouvidos à paixão dentro do nosso coração. Este desejo ardente apela a que nos mantenhamos a correr em frente, que continuemos a colocar um pé corajosamente à frente do outro, e descobrimos algures a força para o fazer.
A coragem assume várias formas. Neste dia descobrimos a coragem para continuar a tentar, não desistir, não importa quão feias as coisas se tornam. E elas tornam-se mesmo feias. Na marca do quilómetro 40, mal conseguimos ver o trajeto à nossa frente- a visão falha-nos à medida que a mente balança no limiar da inconsciência.
E, então, de repente, vislumbramos a linha de chegada como a um sonho. Um nó acumula-se na garganta enquanto percorremos estes passos finais. Agora estamos finalmente prontos para responder àquela voz teimosa com um retumbante, Oh sim, eu sou capaz!"

Dean Karnazes, Quem Corre Por Gosto


Nunca é só uma bolacha...

A pior coisa que posso fazer a mim própria quando estou num processo de restrição alimentar é abrir uma exceção. Não estou em dieta agora mas, sinto a mesma necessidade de disciplina em relação à corrida. Neste caminho que agora percorro, este é o meu maior medo. Perder o rigor. O mais fácil é encontrar desculpas para não ir. É demasiadamente fácil. E depois entra-se num processo de fuga para a frente. Vou amanhã e depois afinal é melhor na sexta e pensando bem, sábado é que é. Tenho pavor de mim própria. De perder a motivação e simplesmente embarcar num silêncio esmagador, ignorando que me lancei num qualquer desafio. Isto tudo para dizer que hoje, dia de treino, não fui. Saí muito tarde do trabalho, não combinei nada com ninguém e deixei-me inundar no meu mundo familiar. E agora estou aqui, com aquela sensação de desvio... de não cumprimento... quase a telefonar à Asics para justificar o falhanço. Alenta-me o facto de ontem ter feito nove quilómetros de subidas pelas ruas do Restelo e a mochila que já está à porta para amanhã. Chovam tijolos ou pedras da calçada, lá estarei. Caso contrário, dar-vos-ei a minha morada para me aplicarem castigos físicos.

domingo, 12 de abril de 2015

Semana #1

"- A corrida é o meu tempo.- disse ela. É uma das poucas coisas que faço só por mim. (...) Correr permite-me deixar toda a gente para trás e recarregar baterias." 
Dean Karnazes, Quem Corre Por Gosto

O fim-de-semana foi duro. Ele esteve sempre a trabalhar e eu a trabalhar estive. O sol, a esplanada, a descontração deram lugar às atividades dos miúdos, às compras, à casa, aos tpc's, às roupas e comidas diversas. Quando chegou a hora do treino agendado, respirei de alívio. Havia chegado o meu momento. Duro, penoso, divertido, tranquilo. Junto ao rio, sob a luz do final de dia, com música e gargalhadas, recuperei. 
A corrida é meu balão de oxigénio. 

Semana #1

Número de corridas- 4
Companhia- maravilhosa
Quilómetros realizados- 27k
Quilómetros acumulados- 27k
Sentimento geral- yeah.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

O plano

"É preciso mais coragem para ser vagaroso, do que para ir depressa." 
Nascidos para Correr, Cristopher McDougall

121 corridas
984 quilómetros
31 semanas

E é isto que me espera. Instalei a aplicação da Asics no telemóvel e defini objetivo, tempos, periodicidade de treinos e data limite. Vou correr quatro vezes por semana e sei que não vai ser um caminho fácil. Nem sempre me vai apetecer, frequentemente vou achar que não vou conseguir e algumas vezes vou sentir que estou a negligenciar outras esferas da minha vida.
Talvez não consiga fazer 42 quilómetros num só dia mas, tenho a certeza de que farei muitas maratonas durante este tempo.

Resumo semana #1 (sem contar com Domingo)
Teste passada- neutra
Avaliação dos ténis- a substituir (gastos dos 500k acumulados)
Número de corridas- 3
Companhia- maravilhosa
Quilómetros realizados- 19k
Quilómetros acumulados- 19k
Sentimento geral- yeah.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Lá chegaremos

"Mas sim, insistia Ann, correr era romântico; e não, claro que os amigos não entendiam porque nunca tinham entrado no esquema. Para eles, correr significava três quilômetros tristonhos, motivados exclusivamente por calças de ganga tamanho 36: sobe para a balança, deprime-te, mete os auscultadores, e trata do assunto. Mas não se lida com uma corrida de 5 horas dessa maneira; é preciso descontrair-se gradualmente, como deixar o corpo entrar aos poucos num banho quente, até que este já não resista ao choque do calor e comece a saboreá-lo."
Nascidos para Correr, Cristopher McDougall 

Quando comecei a correr, há sensivelmente quatro anos, era assim- como os outros. Não entendia o prazer da corrida. Num misto de desejo de emagrecer e capricho de quem ambiciona se ultrapassar, corria arrastando metaforicamente os pés. Começava a achar que não conseguia e continuava sempre a pensar no fim. Cumpria, apenas. Aos poucos e poucos fui sentindo. Fui percebendo. Passada a barreira do desconforto- o tal choque- sentia a alegria da liberdade, o orgulho da conquista, sentia-me bem. Dificilmente quem não o faz, percebe. Dificilmente entenderão porque saio de casa à noite, ao frio, à chuva e forço o meu corpo a enfrentar-se. Dificilmente perceberão porque impus a mim própria este e outros desafios. 
Lá chegaremos. 

"Para lá do limite máximo do cansaço e do sofrimento, poderemos encontrar reservas de força e tranquilidade que nunca sonharíamos ter; fontes de energia nunca antes minadas por nunca antes nos termos obrigado a ultrapassar o obstáculo." 
William James através de Scott Jurek.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

6 de abril de 2015:

O dia em que decidi correr a minha primeira Maratona. Chamem-me louca, apelidem-me de irresponsável. Digam o que disserem, consiga eu ou não, vou tentar. 
Este blog foi criado para relatar esta minha pequena grande aventura. Vai falar-se de corrida, de sacrifício, de luta. Mas não só. Talvez escreva mais sobre orgulho, sobre conquista, sobre amor e amizade. Não é um blog sobre corrida, na verdade. É um blog sobre tudo o resto que alimenta esta minha insistência em colocar um pé em frente ao outro.